Osterno era um homem feio, muito feio mesmo. Corcunda, cabeleira desgrenhada, olhos esbugalhados e uma boca repleta de cacos de dentes pontiagudos e vampirescos. Andava cabisbaixo, farejando aqui e acolá algum resto de cachaça escondido às margens dos caminhos pelos companheiros de farra.
Vestia-se com molambos que roubava durante as noites escuras dos varais dos sitiantes às margens do Igarapé Lages. Tinha aversão desatinada à luz do sol, enfurnandose sorrateiramente por entre os troncos das bananeiras até que o sol deitasse seus raios coloridos nas águas barrentas do Rio Madeira, chamando a noite e suas criaturas assustadoras
Tinha predileção pelas noites de lua cheia. Nestas noites, Osterno saia dos esconderijos diurnos e deitava-se demoradamente na primeira encruzilhada que encontrasse, mirando silenciosamente o levantar-se vagaroso da lua no horizonte.
Embevecido e em transe, Osterno seguia pelo caminho, já sem roupa, olhar protuberante, cabeleira em riste e boca salivando ao encontro do primeiro chiqueiro que encontrasse, para enlamear-se na imundície e na sujeira dos porcos, que ao sentirem sua presença fugiam enlouquecidos e nunca mais eram encontrados.
Na pocilga, Osterno volvia novamente seu olhar sombrio para a lua avermelhada e lançava uivos lancinantes, acordando a cachorrada da redondeza, que em uníssono respondiam aos seus uivos, formando uma sinfonia lúgubre e assustadora, deixando os sitiantes trêmulos e congelados, trancafiados em suas casas. Essa figura medonha do Osterno fazia parte do imaginário das crianças. Nas noites de insônia, sentia-se quase sua presença física por entre nossos cobertores, deixando nossa respiração ofegante e o olhar fixo no teto do nosso quarto, por onde se podia vislumbrar pequenos fachos de luz da lua cheia atravessando a cobertura de cavaco.
Osterno não virava lobisomem e nem outra criatura assustadora. Era uma pessoa solitária, isolada e envergonhada, pois era portador de psoríase, enfermidade crônica que provoca manchas avermelhadas com escamas secas, irritação, coceira, inflamação e permanentes dores nas regiões afetadas. Hoje, podemos imaginar o sofrimento deste pobre homem que aprendeu a conviver com as intermináveis dores físicas e emocionais provocadas pelo preconceito, por ser portador de doença grave, associando-o ao lobisomem, uma figura apavorante que está presente no folclore brasileiro. Carlos Drummond de Andrade em seu belo poema “História Natural”, afirma: “O mundo não é o que pensamos, pois, cobras cegas são notívagas e as andorinhas copulam durante o voo”.
Escritor: Simon Oliveira dos Santos, membro da Academia Guajaramirense de Letras – AGL e autor das obras Trem das almas e Causos e crônicas do Berço do Madeira.